Uma das mais belas
passagens da filosofia sobre a indagação “Quem Sou?” mostra uma
carruagem conduzida por dois imponentes cavalos sob o controle de um
condutor em um campo imenso.
Os cavalos tem
temperamentos diferentes: um quer manter-se na estrada, o outro quer
invadir os campos; um quer seguir em frente, o outro deseja aventuras
e prazeres.
O trabalho do condutor
é controlar os animais e mantê-los na estrada. O desgarramento dos
cavalos significa a impossibilidade de continuidade da viagem e o
abandono. Sem eles, a carruagem não terá como prosseguir e o destino do condutor estará comprometido.
Esta metáfora não
representa objetos desunidos, dispersos, mas a essência do ser
humano, ou a alma (sem conotação religiosa).
A carruagem é o corpo
físico.
Os cavalos são a razão e a emoção.
O condutor é a
consciência, o “eu”.
A estrada é o percurso da existência.
O campo é o ambiente onde a pessoa se insere.
Quanto mais árido for
o campo, quanto menores oportunidades de estabelecimento para o
condutor, maior a distância da estrada a ser percorrida.
Trazendo para a
realidade rosariense a metáfora, gostaria de encarná-la em duas
pessoas distintas, uma do Plácido de Castro de 1970, e outra do presente, 2011. O motivo de escolha das
duas pessoas é simples: de certo modo, as conheço. Poderiam ser
quaisquers rosarienses e a ideia é, precisamente, que outras pessoas se
identifiquem com elas.
A pessoa de 1970 se
chama Telmo Lima e Silva. Cursou o antigo ginásio no Plácido e,
ao iniciar o científico, Telmo foi estudar na Escola Técnica
Federal de Pelotas.
Hoje mora em Portugal e
é um bem sucedido especialista em ressonância magnética e
tomografia computadorizada.
O ambiente representado por Rosário do
Sul naqueles tempos era árido em termos de oportunidades de
desenvolvimento profissional. A esmagadora maioria dos colegas de
Telmo deixou a cidade. São condutores que tinham aspirações de
vida definidas, perceberam as dificuldadse de realizá-las em sua
cidade natal e conduziram seus cavalos na direção de locais mais propícias para realização
dos sonhos e objetivos de vida.
Formatura do ginásio em 1970. Foto do álbum
do Telmo, reproduzida com permissão.
A pessoa do presente se
chama Eduarda Silveira. Conheço-a virtualmente, mas uma frase
colocada em seu Trabalho de Conclusão de Curso revela seu caráter
batalhador e decidido:
“Por mais longa que seja a caminhada, o mais
importante é darmos o primeiro passo” (Vinícius de Morais).
De
certo modo, essa era o sentimento que predominava na década de 70. Não
significa necessariamente que Eduarda vá partir de Rosário, mas
também não significa que desenvolva sua vida profissional na
cidade.
Aqui está a razão pela qual a cidade precisa
reinventar-se, atingir novos patamares de desenvolvimento econômico
e oferecer novas oportunidades para seus habitantes – impedir que
talentos promissores a deixem, como aconteceu no passado e pode acontecer no presente.
Foto da Eduarda na rede social Facebook.
Reproduzida com permissão.
Uma cidade não pode
ser conceituada apenas como local de morada. Deve reunir condições
de permitir o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas. Deve
reunir condições da pessoa expressar suas habilidades criadores,
transformadoras.
Uma das principais
condições é a possibilidade da pessoa gerar renda, atingir um
padrão de desenvolvimento econômico que permita atender o nível
de vida que julga adequado para si e sua família.
Mas renda não é
gerada de forma isolada; exige cooperação e possibilidades de
escolhas.
Uma pessoa quando adquire um bem ou serviço de outra,
embora movida por interesses particulares, está incentivando aquele
que lhe vende a manter seu negócio e mesmo expandi-lo na forma de
nova opções de consumo.
Mas, para isso, é necessário que quem
compra tenha a oportunidade de obter a renda que ora transforma em consumo.
A economia é um
processo cooperativo e os administradores tem a obrigação de
incentivá-la na forma de luta pelo desenvolvimento econômico expresso no florescimento de oportunidades. Mas parece que a
administração de Rosário do Sul não percebe tais conceitos elementares.
Não fosse assim, Rosário do Sul não teria perdido tanta gente desde a
partida do Telmo, em 1970. São pessoas talentosas que poderiam cooperar com os que ficaram na geração de oportunidades econômicas
em ritmo superior ao verificado (No recente censo do IBGE, Rosário do Sul se alinha com as cidades mais pobres do Rio Grande do Sul).
Não se está afirmando nem insinuando que as pessoas que permaneceram na cidade não sejam capazes ou
competentes. Mas a força da cooperação foi enfraquecida. Cada vez que alguém parte de Rosário do Sul a procura de oportunidades em outros locais, a
cidade perde duplamente: perde “cérebros” que estariam engajados no desenvolvimento da cidade e perde os investimentos
efetuados em educação, pois os conhecimentos adquiridos serão
aplicados em prol de outras comunidades.
Rosário não pode sequer
aventar a perda da Eduarda como, no passado, perdeu o Telmo e grande número de seus colegas do Plácido de Castro.
Entretanto, a
responsabilidade de incrementar o nível das oportunidades na cidade não
é apenas da administração pública. A sociedade civil, tem uma
responsabilidade gigantesca: precisa identificar, tornar públicos e buscar soluções para os problemas que inibem o desenvolvimento da cidade.
Cito
nominalmente aqueles que conheço: Gazeta de Rosário do Sul, as
comunidades virtuais Rosário do Sul e Rosário do Sul / Debates, os
advogados Jair Rodrigues Mendes e Luciana Flores Figueredo (por
estarem envolvidos em causas comunitárias), o radialista Pedro
Borges, a Rádio Marajá: todos precisam assumir a responsabilidade, além do que já o fazem, de se engajarem no incremento do
bem estar e desenvolvimento econômico de Rosário do Sul.
Cidades são organismos vivos.
Basear-se na ilusão de que apenas as belezas das Areias Brancas impulsionarão o desenvolvimento da cidade é priorizar a emoção sobre a razão. Prestem atenção no fluxo de esgoto que deságua no Rio. Mirem no exemplo do estuário do Guaíba em Porto Alegre e dos problemas ambientais hoje enfrentados. Lembrem da partida da Cia Swift e do abandono da linha férrea.
Assumam conscientemente as rédeas do desenvolvimento econômico e social da cidade, sob pena de, não o fazendo, continuarem presenciando a perda do maior capital de qualquer sociedade: o capital humano.
Plácido de Castro em 1970 - Foto do álbum do Telmo.
Caro Ovídio.
ResponderExcluirQuase que diariamente faço pesquisa no Twitter de temas ligados aos municípios da região, já que resido em Cacequi. Nesta manhã pesquisando por Rosário do Sul cheguei a seu blog e a este post.
Não me atreveria fazer qualquer comentário sobre o que está dito acima. Apenas me arrisco a dizer que tudo se encaixa perfeitamente à realidade de vários municípios da fronteira oeste do Rio Grande, especialmente ao município de Cacequi, distante de Rosário cerca de cinquenta quilômetros.
Aqui vivemos de propaganda, nossos administradores há muito tempo tem o mesmo discurso que ressalta algumas situações que mexem com a autoestima dos cacequienses como é o caso do município ter sido um dos maiores centro ferroviários do estado, possuir a maior ponte ferroviária da America Latina, ter sido Capital da Melancia e ainda não ter perdido a título de Capital da Trova Gaúcha. Entretanto na década de 80 éramos cerca de 20 Mil cacequienses morando por aqui, hoje somos pouco mais de 12 mil. Todos os anos famílias inteiras migram para grandes centros em busca de trabalho e renda. Ultimamente surge um novo destino, a África, para onde vários cacequienses já foram trabalhar na agricultura, deixando para trás um município essencialmente agrícola invadido pelas florestas destinadas a celulose.
Hoje tenho uma certeza, ratificada por seu artigo, que se esta realidade não mudar, por aqui em breve teremos um enorme deserto e uma cidade fantasma.
Eugenio Alves